quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Da arte da manipulação (e do uso da metáfora)

Lembro-me de quando a minha tia-avó, exímia contadora de histórias, me falava dos tempos em que, enquanto farmacêutica, passava grande parte dos seus dias a preparar manipulados, como ela costumava dizer. Juro que conseguia sentir os cheiros dos químicos, imaginar os frascos de um vidro grosso e frio e ao fundo a chama ténue da lamparina. Mais do que o ambiente, em parte descrito, em parte por mim criado, fascinava-me a arte. O talento de manusear elementos químicos, potencialmente instáveis, possivelmente perigosos, e ser capaz de o fazer utilizando as quantidades exactas, as medidas certas, criando misturas perfeitas e ao mesmo tempo únicas, irrepetíveis. Na altura compreendia já que a manipulação era uma ciência. A presunção está vedada ao manipulador eficaz. Negligenciar as características de um produto químico instável equivale a pôr em risco o resultado da nossa experiência. A manipulação, por paradoxal que pareça, requer humildade, manifesta na capacidade de antecipar as reacções do produto manipulado.

2 comentários:

harness disse...

Está muito bom este texto.

The Next Jason Team Member disse...

Obrigada, e bem-vindo de volta