Lembro-me de quando a minha tia-avó, exímia contadora de histórias, me falava dos tempos em que, enquanto farmacêutica, passava grande parte dos seus dias a preparar manipulados, como ela costumava dizer. Juro que conseguia sentir os cheiros dos químicos, imaginar os frascos de um vidro grosso e frio e ao fundo a chama ténue da lamparina. Mais do que o ambiente, em parte descrito, em parte por mim criado, fascinava-me a arte. O talento de manusear elementos químicos, potencialmente instáveis, possivelmente perigosos, e ser capaz de o fazer utilizando as quantidades exactas, as medidas certas, criando misturas perfeitas e ao mesmo tempo únicas, irrepetíveis. Na altura compreendia já que a manipulação era uma ciência. A presunção está vedada ao manipulador eficaz. Negligenciar as características de um produto químico instável equivale a pôr em risco o resultado da nossa experiência. A manipulação, por paradoxal que pareça, requer humildade, manifesta na capacidade de antecipar as reacções do produto manipulado.
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2 comentários:
Está muito bom este texto.
Obrigada, e bem-vindo de volta
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